Uma forma eficaz de se aferir o
nível de maturidade cívica de uma determinada sociedade é avaliar o uso que é
feito da liberdade de expressão por parte dos seus membros. E não há espaço
onde o (ab)uso dessa liberdade seja tao patente como na Internet, esse grande
universo virtual que nos leva a todo o lado sob a capa (aparente) do anonimato
capaz de gerar um sentimento de impunidade, e que se torna, por isso, num local
privilegiado para ofensas, injúrias, impropérios e difamações gratuitas e
sistemáticas. Chega a ser quase paradoxal constatar que a liberdade de
expressão, sendo uma daquelas por que mais se luta e que é mais frequentemente
reprimida à força e limitada em tanta parte do mundo, seja talvez aquela cujo
uso é feito com mais desconsideração e irresponsabilidade. Tão querida por quem
não a tem reconhecida, tão maltratada por quem a vê como adquirida.
Neste sentido, é natural o
desconforto com que certas entidades se vêem obrigadas a aceitar os comentários
de cibernautas às notícias que publicam, e e os tipos de reacções que isso tem
gerado. Ao que parece, o DN optou na sua página
oficial por uma política de abstenção de moderação dos comentários,
porventura com receio de ser acusado de exercer alguma espécie de censura sobre
os mesmos, dando, de acordo suas próprias palavras, liberdade total na acção
dos comentários, sem prejuízo de poder proceder judicialmente nos casos em que
os actos sejam considerados criminosos pela lei portuguesa. Não recomenda,
nesse sentido, a sua leitura a menores ou pessoas sensíveis. Ao fazer isto, o
DN parece achar que liberdade a mais é melhor que liberdade a menos. O que
ignora é que de uma forma ou de outa, a liberdade fica comprometida. E que
moderar os comentários não significa automaticamente fazer censura. Tudo
depende da forma como a vigilância é exercida. Uma censura centrada na
proibição de comentários com ofensas verbais e difamações de uns cibernautas
para com outros ou para com os autores das peças jornalísticas não fere a
liberdade, pelo contrário, preserva-a. Ao contrário do que se diz, a nossa
liberdade não termina onde começa a liberdade de outrem: ela concretiza-se
nesse ponto. Passar por cima dos direitos de outrem resulta num acto
arbitrário, ou seja, na negação da própria ideia da liberdade. Os direitos dos
outros não são, assim, um limite à nossa liberdade. São o seu
fundamento. Não posso, portanto, concordar com este cartão-de-visita com
que o DN nos brinda no seu site, dizendo: ”Bem-vindo à liberdade de
expressão total! Mas cuidado, mantenha as crianças a salvo! Se passar a vedação
estará a entrar numa selva e pode sair ferido!” Assim se torna um espaço que
deveria ser privilegiado na troca de ideias e opiniões num local identificado
como potencialmente perigoso onde cada um está por sua conta e risco. Bem-vindo
à liberdade.
Sem comentários:
Enviar um comentário